Platão — A República
O que define a justiça? “Dizer a verdade e restituir o que se recebeu”, resume Sócrates antes de enredar seu primeiro interlocutor na arapuca dialética. No lugar de propor certezas, a estratégia socrática consiste em levar o outro a reconhecer a fragilidade de suas crenças, de suas opiniões.
A primeira questão que o mestre de Platão formula em “A República” dá início a uma discussão que se estende a outras virtudes, tais como a sabedoria, a coragem e a temperança. Nelas se encontram as bases para se constituir um modelo de sociedade que atenda ao bem comum.
Platão, tanto sob a máscara de Sócrates como de seus interlocutores, fertiliza o campo no qual frutificaram os temas principais da filosofia política. “A República” não se resume, porém, a julgar e a classificar as boas e más formas de governo. Para justificá-las, o autor recorre à metafísica, à ética, à epistemologia e à psicologia, o que torna esta obra a mais completa introdução ao primeiro sistema do pensamento ocidental.
Páginas: 472
Tradução: Eleazar Magalhães Teixeira
Auguste Comte — Discurso sobre o espírito positivo
Buscar a verdade e evitar os desvios que perturbam o acesso ao saber deram impulso ao pensamento filosófico desde as origens. O método científico, que se consolidou mais tarde, ofereceu evidências de que observar e testar a fim de confirmar eram garantias contra o erro. A influência desse modelo eficiente logo alcançou outros campos do conhecimento, incluindo o relativo às questões humanas, como a política e a moral.
O francês Auguste Comte (1798-1857), fundador do positivismo, representa este ideal que busca, na regularidade e na capacidade de previsão oferecidas pela ciência, um guia útil também para a vida individual e social. As principais teses do positivismo comteano são apresentadas em “Discurso sobre o Espírito Positivo” (1844).
O texto resume suas concepções acerca da evolução das formas de pensamento e projeta o positivismo como um sistema moral, social, político e religioso, uma matriz intelectual capaz de eliminar a incerteza, superar os conflitos e promover o progresso.
Páginas: 120
Tradução: Walter Solon
bell hooks — Ensinando a transgredir
“Ensinando a transgredir” (1994) é um projeto inspirado na pedagogia crítica de Paulo Freire, assume bell hooks desde as primeiras páginas deste livro. A autora estabelece, em seu diálogo combativo com o pensador brasileiro, as bases para a educação como projeto ético e político, como processo de superação das desigualdades.
Para isso, a formação precisa ir além da assimilação de conteúdos, tem de se expor às contradições e às diferenças, vencer as relações de poder para reconhecer cada um como sujeito.
“Ensinando a transgredir” não é uma obra conceitual, mas uma autobiografia intelectual. Negra, a autora nasceu e cresceu no Sul dos EUA e recebeu a educação fundamental em escolas segregadas. Nelas, aprendeu desde cedo que a devoção ao estudo, à vida do intelecto, era um ato contra-hegemônico, um modo de resistir à dominação branca e ao sexismo. Feminista, ela demonstra que a demanda por igualdade é dever de todos.
Páginas: 208
Tradução: Marcelo Brandão Cipolla
René Descartes — Regras para a orientação do espírito
Estabelecer um método apto a separar o certo e o errado, a verdade e o falso, é o primeiro passo da transição da filosofia rumo à ciência. O pensamento moderno se demarca do antigo e do medieval quando adota a dúvida para depurar o conhecimento das “certezas” impostas pela via religiosa ou por preconceitos consolidados pela tradição. Descartes ocupa o posto central nessa etapa quando define a matemática como modelo de saber confiável, construído sobre ideias claras, distintas e ordenadas.
Nas “Regras para a orientação do espírito” (1626-1628), o pensador francês esboça o plano que completará, dez anos mais na tarde, no “Discurso do Método” (1637). No texto, que ficou inacabado, ele elabora um conjunto de regras que funcionam como exercícios, treinos para o bom uso da razão. A primeira etapa, analítica, permite depurar o confuso e rejeitar as incertezas. A segunda fase, sintética, orienta a ordem das ideias, avançando do mais simples ao complexo.
Páginas: 136
Tradução: Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão
Max Weber — Ciência e política: duas vocações
As duas conferências publicadas por Max Weber em 1919 e reunidas neste volume têm em comum o termo “vocação”. Porém, o uso desse vocábulo não deve nos levar a pensar que se trata de um manual profissional, uma apresentação dos requisitos que os candidatos a tais áreas devam atender. Embora descreva em detalhes as características desejáveis para a consecução do trabalho científico, Weber desloca a discussão para a natureza específica desse saber num momento da história em que ciência é o mesmo que eficiência e progresso, em suma, poder.
Qual é o sentido da ciência? Qual é a relação entre a ciência e a vida? Em seu exame da política, o autor também especifica o tipo ideal, as qualidades necessárias para quem se dedica profissionalmente à área. Mas é na discussão acerca dos dois tipos de ética, a da convicção e a da responsabilidade, que o texto se mantém um clássico. Sem essa distinção, o poder de escolher o bem comum continuará a ser entregue aos que só visam ao favorecimento de alguns.
Páginas: 128
Tradução: Octany Silveira da Mota e Leonidas Hegenberg
Voltaire — O preço da justiça
Poeta, dramaturgo, historiador, polemista e correspondente são algumas das definições que a volumosa produção de textos de Voltaire compreende. Em meio a tantos interesses e atividades, sempre houve discussões a respeito de seu status como filósofo. Embora não tenha criado um sistema nem formulado um conceito original, Voltaire foi um incessante inimigo da desrazão. Sua obra condensa os ideais iluministas, este combate que, munido de racionalidade, enfrentou a intolerância, os fanatismos e a ignorância em seus diversos disfarces, denunciou os abusos de poder dos governos e das religiões e nunca deixou de inspirar projetos libertários.
Em “O preço da justiça” (1777), o pensador percorre exemplos que demonstram as distorções do aparelho jurídico e condena os excessos das punições. Não se pretende, assim, suspender os efeitos da justiça, mas de abrandar sua fama de injusta.
Páginas: 96
Tradução: Ivone Castilho Benedetti
Claude Lévi-Strauss — Antropologia estrutural
O termo “estruturalismo” costuma repelir quem o imagina como uma teoria inacessível ou uma moda intelectual ultrapassada. Embora seu apogeu tenha sido nas décadas de 1950 e 1960, seu modelo de interpretação nunca mais deixou de influenciar nossa compreensão da realidade. A partir dele, ficamos mais atentos às diferenças, às particularidades dos múltiplos campos da cultura e aprendemos a não perder de vista o singular quando miramos o geral.
A contribuição de Claude Lévi-Strauss foi definitiva para o desenvolvimento desse método que se inspirou na linguística e se expandiu para a antropologia, a etnologia, a psicanálise e os estudos estéticos, entre outras possibilidades. “Antropologia Estrutural”, publicado originalmente em 1958, não é um manual de regras. Trata-se de uma reunião de ensaios nos quais Lévi-Strauss reinterpreta paradigmas alheios e aponta suas limitações.
Desse modo, o estruturalismo se impõe como um microscópio, uma ferramenta que permite enxergar os detalhes que fazem a diferença.
Páginas: 400
Tradução: Beatriz Perrone-Moisés
Santo Agostinho — Sobre a mentira
Encontrar a verdade, definir as condições de sua busca e identificá-la com o bem foram, desde cedo, um dos pilares da reflexão filosófica. Desse modo, a mentira tornou-se uma sombra, um negativo e poucas vezes suas características foram examinadas com atenção. Em “Sobre a mentira” (395), primeiro de dois textos que Santo Agostinho dedicou a ela, busca-se, em primeiro lugar, definir a fraude, elucidar sua natureza, delimitar seu alcance, denunciar seus disfarces para, convictamente, condená-la.
A mentira, na cerrada argumentação agostiniana, não se confunde com o erro ou com formas inofensivas da ilusão, como a ficção. Ela é fruto de uma vontade deliberada de enganar, de omitir, é uma omissão da parte de quem “pensa ou sabe a verdade de uma coisa, mas não a exprime, e diz outra no lugar daquela, sabendo ou pensando que é falsa”.
Não existem exceções a esta regra, nem mesmo nos casos em que se mente por “fins nobres”, pois para o pensador cristão uma mentira não resulta nunca um bem, mas sempre um mal.
Páginas: 64
Tradução: Alessandro Jocelito Beccari
Michel Foucault — A sociedade punitiva
Após a morte precoce de Michel Foucault em 1984, os herdeiros tiraram do limbo um conjunto de textos que esclarecem, aprofundam e expandem teses expostas pelo intelectual francês nas obras que ele publicou em vida. “A sociedade punitiva” (1973) foi composto a partir de um de seus célebres cursos no Collège de France e antecipa a inovadora teoria do poder formulada a partir de “Vigiar e punir” (1975).
A reflexão ao vivo favorece a experimentação com os argumentos, autoriza digressões e dá às ideias uma fluidez que não contradiz o rigor conceitual. No seminário apresentado em 1973, ele expõe, com o intuito de extrapolar, a prática disciplinar do enclausuramento, institucionalizada como punição à criminalidade e aos desvios da norma desde o fim do século 18.
Foucault demonstra a partir do exame histórico como essa forma de poder não foi imposta somente aos condenados. Sua eficácia confirmou-se no controle, muitas vezes imperceptível, das maneiras de viver, dos discursos, das intenções políticas e dos comportamentos sexuais de todos que se julgam livres.
Páginas: 336
Tradução: Ivone Castilho Benedetti
Mary Wollstonecraft — Reivindicação dos direitos das mulheres
As diferenças biológicas têm sido eternamente adotadas para justificar o tratamento desigual aos gêneros. Mas, desde que a Revolução Francesa proclamou “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, ficou ainda mais evidente que esses ideais não se aplicavam à metade da humanidade, pelo menos. Mary Wollstonecraft publicou “Reivindicação dos direitos das mulheres” (1792) em meio àquela turbulência emancipatória, denunciando como as conquistas da burguesia favoreciam somente uma parcela da sociedade.
Igualdade é um processo de conquistas e o acesso à educação é um dos tópicos que a autora privilegia. Privadas desse direito, as mulheres permanecem condenadas à condição de escravas domésticas.
Pior, tornam-se intelectualmente subalternas, não têm sua racionalidade reconhecida e são consideradas reféns das emoções e dos sentimentos. O texto de Wollstonecraft não apenas ilumina as origens do feminismo, como ensina que essa luta não é exclusiva das mulheres, pois diz respeito à totalidade do gênero humano.
Páginas: 264
Tradução: Andreia Reis do Carmo
Jean-Jacques Rousseau — Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens
O Iluminismo, termo que agrupa os pensadores progressistas do século 18, projetou no indivíduo o foco de sua luta pela liberdade. Contra o absolutismo do estado e o pensamento único da religião, os iluministas procuraram uma cura na negação. Rousseau, luminar desse grupo, elegeu a natureza como conceito duplamente potente.
Por um lado, ela oferece a imagem de uma condição original, pura e íntegra, em oposição à sociedade, fonte das corrupções. Por outro, na natureza o homem seria livre, pois não teria trocado ainda sua autonomia pela falsa promessa de proteção. Esta liberdade na origem não seria apenas de escolha, mas também implica a igualdade de direitos, incluindo o de ser (e pensar) diferente.
Acusado de ingênuo, Rousseau manteve-se vital por ser, ao contrário, astuto, por duvidar do discurso que exalta somente os benefícios do progresso e por situar a liberdade acima da retórica.
Páginas: 136
Tradução: Paulo Neves
Nicolau Maquiavel — A arte da guerra
Muitos filósofos possuem renome, mas poucos chegaram ao ponto de se transformarem em adjetivos. “Maquiavélico” integrou-se ao vocabulário como “platônico”, “cartesiano” e poucos outros, mas, no caso do autor florentino, o qualificativo apenas cristalizou o que se considera amoral em sua racionalização da política. Para Maquiavel, na política ou na guerra a inteligência vale mais que a força.
Após apresentar, em “O príncipe”, (1532) as formas de fortalecer o poder do governante contra ameaças internas, o autor florentino dedicou-se a propor preceitos que o estado deve seguir para se proteger de agressores externos.
“A arte da guerra” (1521) não disfarça seu objetivo de ser um manual de táticas inspirado em sucessos militares da Antiguidade. Mas por trás dos detalhes sobre formação dos soldados, posição de batalhões ou distribuição de armamentos, Maquiavel demonstra que o poder, bélico ou outro, não sobrevive à falta de organização.
Páginas: 168
Tradução: Eugênio Vinci de Moraes
Adam Smith — Teoria dos sentimentos morais
“A riqueza das nações” estabeleceu o nome de Adam Smith como um dos pilares do pensamento econômico. Não menos importante, “Teoria dos sentimentos morais” é a primeira obra que ele publicou, em 1759, e à qual dedicou mais tempo, reescrevendo e incluindo novos capítulos até o fim da vida, em 1790.
A intenção de Smith no tratado é formular uma teoria geral da moral, da política e da sociedade, seguindo o exemplo do que Newton havia obtido no campo das ciências naturais. Inspirado também pelas ideias de David Hume e de filósofos morais do século 18, Smith evidencia o papel das emoções sobre nossas ações e escolhas, demonstrando que, sozinha, a razão não explica tudo.
O que ele chama de “simpatia” é um princípio contagioso, que promove a identificação e nos leva, por meio da emoção e da imaginação, a nos colocar no lugar do outro. Esta forma de projeção permite, por exemplo, reconhecer e lutar contra uma injustiça. Assim, o impulso egoísta, combustível do lucro e da acumulação capitalista, encontra seu equilíbrio em sentimentos que favorecem o bem comum, impedindo que os interesses particulares destruam o que é de todos.
Páginas: 392
Tradução: Lya Luft
Karl Marx — Manuscritos econômico-filosóficos
Este conjunto de textos, de fato, uma compilação de notas de leituras feitas por Marx em 1844, aos 26 anos, constitui uma passagem decisiva da formação da teoria marxista. Como um estudante que aprende enquanto reescreve, o autor expõe a lógica capitalista a partir da apresentação de tópicos, como dinheiro, propriedade, salário e acumulação, extraídos de textos de fundadores do pensamento econômico.
Marx, porém, é um leitor que, além de interpretar, interpela. Sua leitura crítica revela como o trabalho e, no fim das contas, o homem como seu sujeito encontra-se excluído desse modo de organização da vida e de produção de riquezas.
Tratado como peça de uma grande máquina, despojado de sua interioridade, negociado como mercadoria, o homem torna-se refém da alienação. Forçado a se separar de sua capacidade inerente de criação e de transformação, a qual vende para sobreviver, o humano perde a humanidade, é convertido em coisa, pertence a um mundo que não lhe pertence.
Páginas: 176
Tradução: Jesus Ranieri
Frédéric Bastiat — A lei
“É falso”, argumenta Frédéric Bastiat, que a lei “possa oprimir as pessoas ou espoliar as propriedades, mesmo com intuito filantrópico, quanto sua missão é protegê-las”. O ideal de justiça proclamado pelo economista francês revela-se em sua defesa absoluta da “propriedade”, dita e reafirmada ao replicar a palavra na definição acima. O panfleto “A lei”, publicado em 1850, é uma explícita tomada de posição contra os ventos revolucionários que varreram a Europa em 1848.
O liberalismo do autor é uma reação a esse momento histórico em que se pretendeu expandir o progresso social da Revolução Francesa para todas as classes. Para Bastiat, “Protecionismo”, “Socialismo” e “Comunismo” “não passam da única e mesma planta, em três períodos distintos de seu crescimento”.
O Estado é, na visão lúcida do autor francês, um campo de batalhas. Logo, limitar o intervencionismo é fundamental para impedir que outras classes, identificadas como “inimigo”, usurpem a exclusividade do direito de ter.
Páginas: 96
Tradução: Pedro Sette-Câmara
Carter G. Woodson — A (des)educação do negro
Quase noventa anos depois de sua primeira publicação, “A (des)educação do negro” (1933) tornou-se ainda mais atual graças às políticas afirmativas, que explicitaram as marcas da desigualdade e evidenciaram os abismos de oportunidades entre brancos e negros em sociedades democráticas.
Os textos de Carter G. Woodson nasceram da experiência pedagógica do autor, que trabalhou com brancos, negros, mestiços e asiáticos e pôde observar, em diversas regiões do mundo, o resultado de diferentes sistemas de ensino. Seu projeto de emancipação baseia-se, por isso, na denúncia das consequências, para os negros, dos modelos de educação.
Embora o ensino seja a base de toda sociedade que almeja a justiça e a igualdade, a definição de conteúdos e a avaliação de competências preservam as hierarquias e eternizam a estrutura racista. Ao ignorar a diversidade cultural e linguística dos currículos e ao adotar perspectivas únicas para o ensino das técnicas e da história, a escola (des)educa os negros, perpetuando a escravidão.
Páginas: 152
Tradução: Naia Veneranda
Aristóteles — Sobre a alma
A filosofia, tal como concebida nas origens gregas, confundia-se com a metafísica, pretendia apreender a essência, indo além do que os sentidos, por serem oscilantes, mascaravam. Com Aristóteles, a desconfiança da observação cai por terra, enquanto a descrição e a organização tornam-se requisitos para a produção do conhecimento.
Mas como estudar, examinar e descrever um objeto impalpável, cuja forma é indeterminada, e a existência, duvidosa? Se a ideia de alma não era uma novidade para os gregos, o modo como Aristóteles acerca-se dela é, no mínimo, original.
Descrevendo a alma com a mesma técnica de precisão com que estudava uma cadeira, Aristóteles formula as bases da psicologia. A alma é definida a partir de seus efeitos, como a sensação, a percepção e a contemplação. Ela é também o princípio que insufla vida na matéria, nos animais e nos vegetais. Por fim, a alma habita o corpo, aproxima o sensível e o inteligível, funde as duas faces da mesma moeda.
Páginas: 144
Tradução: Ana Maria Lóio
Ludwig von Mises — As seis lições
Guru do neoliberalismo, Ludwig von Mises representa o pensamento econômico que defende o estado mínimo, a não intervenção governamental nos preços, salários e nas taxas de juro, a capacidade de autorregulação do mercado. “As seis lições” (1979) são a transcrição de palestras proferidas em 1959, na Argentina, para um público leigo e, por isso, o texto é mais retórico que teórico.
Capitalismo, socialismo, intervencionismo, inflação, investimento externo e política e ideias são os tópicos escolhidos por Mises em sua defesa de um sistema ideal. Análises de exemplos históricos buscam demonstrar que todas as vezes em que houve intervenção estatal o resultado foi negativo.
Desse modo, o governo deve se limitar a zelar para que indivíduos e produtores, comerciantes e consumidores, empregados e empresários definam, sem intromissões políticas, seus próprios objetivos. Se o governo proteger os direitos dos indivíduos de fazerem o que desejam, desde que não infrinjam a liberdade de outros fazerem o mesmo, as pessoas serão capazes de se sustentar em condições melhores do que o governo poderia oferecer.
Páginas: 128
Tradução: Maria Luiza X. de A. Borges
Immanuel Kant — Crítica da razão pura
Kant é considerado o autor de uma revolução copernicana no pensamento. Tal como o astrônomo polonês, o filósofo alemão introduziu uma mutação decisiva ao delimitar o alcance do conhecimento, ao interditar a filosofia de se afundar em questões insolúveis. A “Crítica da razão pura” (1781) é uma espécie de autoexame, do qual a conclusão mais decisiva é que não é possível conhecer as coisas em si, apenas os fenômenos, ou seja, aquilo que podemos perceber.
Tão importante quanto essa limitação, a obra sintetiza duas tradições que pareciam inconciliáveis. De um lado, havia os que confiavam exclusivamente na capacidade da razão ordenar e interpretar a natureza, ultrapassando as aparências e apreendendo as essências.
De outro, estavam os defensores do empirismo, para os quais o conhecimento brota da experiência. Kant supera o impasse conjugando duas faculdades: a sensibilidade e o entendimento. Enquanto aquela oferece os dados, este organiza, estrutura, compara, combina.
Páginas: 640
Tradução: Fernando Costa Mattos
Luiz Gama — Humor e crítica: armas do pioneiro abolicionista
Luiz Gama nasceu livre, filho de uma quitandeira africana liberta e de um fidalgo branco, mas foi vendido como escravo pelo próprio pai para saldar dívidas de jogo. Aprendeu a ler e a escrever e usou essas armas para lutar pela própria alforria. Ao se tornar adulto, conseguiu comprovar a injustiça e assumiu papel destacado na causa abolicionista. Mesmo sem ter formação, atuou como advogado de escravos, defendendo-os em causas de direitos de alforria.
Gama ocupou importantes espaços políticos e explorou o alcance da imprensa para amplificar sua voz e denunciar abusos de poder dos senhores escravocratas. Esta coletânea reúne alguns dos mais eloquentes artigos que Gama publicou em jornais paulistas e também exemplos de sua produção poética, na qual o autor adotou a sátira como recurso para criticar as mazelas sociais e denunciar o autoritarismo arraigado.
O retrato ridículo que Gama faz dos poderosos permanece atual e intacto um século e meio depois.
Páginas: 80
Seleção de textos: Cássio Starling Carlos
Étienne de la Boétie — Discurso sobre a servidão voluntária
Repressão, violência e autoritarismo são efeitos das tiranias, e grande parte do pensamento político e da historiografia mostra a correlação entre concentração do poder nas mãos de poucos e abuso da força. Neste texto conciso e inesgotável, escrito por Étienne de la Boétie quando ainda era o que hoje chamamos de adolescente, o foco se desloca para o outro polo.
Como explicar que o povo aceita ser subjugado por um grupo menor em termos numéricos? A questão ardilosa traz à tona o consentimento, a vontade da maioria de ser conduzida por um líder, e expõe o paradoxo da liberdade, que tantas vezes legitimou e autorizou a ascensão de pregadores do fim das liberdades.
O panfleto de La Boétie foi visto como uma denúncia indireta à intolerância religiosa, origem de acontecimentos trágicos em seu tempo. A propagação dos totalitarismos ao longo do século 20 e a ascensão dos populismos no século 21 confirmam que a servidão continua a ser a vontade de muitos.
Páginas: 64
Tradução: Evelyn Tesche
Ruth Benedict — Padrões de cultura
Embora nós humanos sejamos, como parte de uma imensa família, parentes biologicamente, também somos infinitamente diversos do ponto de vista cultural. Uma das demonstrações mais acabadas da nossa diversidade e multiplicidade foi dada pela antropóloga Ruth Benedict ao pesquisar, comparativamente, três sociedades: os zunhis, dos Estados Unidos, os kwakiutl, do Canadá, e os dobuanos, da Melanésia.
Em vez de fixar hierarquias entre sociedades supostamente avançadas e outras, que seriam primitivas, a antropologia privilegia as diferenças. Assim, ao estudar grupos cujas práticas e valores diferem profundamente dos nossos, o trabalho de Benedict confirmou que instituições como o casamento, a família e as relações entre os gêneros são culturais.
Ou seja, cada comunidade adota convenções e possui maneiras de ver que as diferencia das outras com as quais não comunga tradições. Culturalmente, cada uma escolhe, adapta-se e ordena seus ritos em vez de apenas obedecer a algum suposto padrão determinado pela natureza.
Páginas: 232
Tradução: Ricardo A. Rosenbusch
Émile Durkheim — As regras do método sociológico
Depois que as ciências físicas demonstraram que era possível desvendar o que parecia oculto na natureza, expor sua lógica e suas leis e fazer previsões, muitos pensadores lançaram-se à aventura de transpor essas conquistas para novos saberes. Inspirado nelas, Durkheim formulou um método capaz de obter resultados equivalentes, ou seja, identificar leis que valem para a vida social, assim como as que determinam o comportamento natural.
Além de garantir a cientificidade desse saber e legitimar suas regras e aplicações, Durkheim também buscou separá-lo de campos de conhecimento como a biologia e a psicologia.
Conduzida com rigor, a pesquisa sociológica passou, desse modo, a ser essencial para desnudar a interferência dos costumes, a reprodução de valores, a absorção imperceptível de modos de agir e de ideias ou as múltiplas formas de coerção, que antes eram consideradas como características de uma suposta natureza humana.
Páginas: 160
Tradução: Maria Ferreira
John Stuart Mill — Sobre a liberdade
“Liberdade de expressão” é um argumento tão recorrente no nosso cotidiano que poucas vezes temos o trabalho de questionar seu significado e mensurar seu alcance. O texto de Stuart Mill, pedra fundamental do liberalismo, é uma das mais eloquentes defesas desse direito de todos e, ao mesmo tempo, um necessário esclarecimento sobre seus limites.
Em termos individuais, trata-se de prevenir contra o risco de opressão que governos antidemocráticos podem exercer sobre cidadãos ou grupos. Em termos coletivos, trata-se, não menos importante, de alertar para o fato que, mesmo em sociedades democráticas, o controle da opinião pública por grupos majoritários pode acarretar vários tipos de prejuízos para as minorias.
Por isso, não existe acordo ou conciliação possível entre liberalismo e conservadorismo, entre a defesa da liberdade e a vontade de determinar e regulamentar os modos como cada um deve pensar, agir e desejar.
Páginas: 144
Tradução: Denise Bottmann
Arthur Schopenhauer — A arte de ter razão
Na era das redes sociais, um tipo muito comum é alguém que se desfaz da amizade para não perder a discussão. Para tais pessoas, este opúsculo inacabado de Schopenhauer tornou-se um livro de cabeceira. Na obra, o filósofo pessimista expôs 38 estratagemas, ou técnicas de controvérsia, que asseguram a vitória em qualquer disputa, mesmo que a tese defendida seja falsa ou inconsistente.
No entanto, o espírito sarcástico do autor pode passar despercebido por quem lê sua exposição como um manual. Schopenhauer usa os exemplos para demonstrar como, muitas vezes, não há nexo entre a persuasão e a verdade.
A retórica, como já mostrava Platão quando opunha Sócrates aos sofistas em seus diálogos, pode ser convincente, mas dificilmente resiste a questionamentos. O veneno schopenhaueriano atualiza essa tradição filosófica, permitindo ver que quem tem razão a respeito de tudo nem sempre está certo.
Páginas: 64
Tradução: Érica Gonçalves de Castro e Guilherme Ignácio da Silva
Friedrich Hayek — O caminho da servidão
A dedicatória “aos socialistas de todos os partidos” define, de saída, o objetivo desta obra publicada em 1944. Desde então, o livro é leitura obrigatória para todos os oponentes da ideia que cabe ao estado planejar, regulamentar e controlar a economia. O fundamento da tese de Hayek, nome de proa da escola austríaca e Prêmio Nobel de Economia em 1974, é que as políticas de planificação econômica culminam, sempre, no controle das liberdades individuais e na implantação de projetos de poder totalitários.
Hayek escreveu em reação aos setores progressistas britânicos, cuja defesa do socialismo os levou a não condenar os horrores cometidos pelo comunismo stalinista.
Na visão de Hayek, as diferenças entre a social-democracia, o socialismo e o comunismo são apenas de grau, pois todos esses sistemas pressupõem um estado forte como mecanismo de redução das desigualdades. Apesar da intenção louvável, mesmo o estado de bem-estar social seria incompatível com a sociedade livre.
Páginas: 256
Tradução: Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro
Edison Carneiro — Ladinos e crioulos
Já em seu preâmbulo, no qual se apresentam os significados para os termos “novo” ou “boçal”, “ladino” e “crioulo”, esta reunião de textos de Edison Carneiro afirma a vantagem da pluralidade. Em vez de falar do negro como se este pudesse ser unificado pela cor, marca física e social, o autor baiano amplifica o tema central de sua obra, liberando sua riqueza.
Assim como as origens africanas dos negros brasileiros não foram uma só, as formas da escravidão e das violências contra eles variaram, seus modos de resistência e de constituição de modelos sociais se multiplicaram e, não menos importante, os temperos culturais, gastronômicos e espirituais introduzidos por esses povos não cabem no singular.
A exploração econômica dessa gigantesca parcela da população, primeiro como mão-de-obra escrava e, no pós-abolição, como massa proletária é que mantém seus traços culturais apartados do Brasil oficial. Cada texto de “Ladinos e crioulos” (1964) revela que não adianta demarcar esta matriz, preservar sua identidade como algo separado, pois, se não fosse ela, nem haveria isso que chamamos de Brasil.
Páginas: 256
Ludwig Feuerbach — A essência do cristianismo
Filosofia e religião mantiveram relações de simbiose, ao longo do período medieval, e só após o Renascimento os pensadores passaram a se libertar da tutela da Igreja e a afirmar a autonomia da razão em relação aos dogmas da fé. Portanto, quando Feuerbach critica o fenômeno religioso, em meados do século 19, sua oposição não é mais a um poder absoluto capaz de condenar dissidentes à fogueira, como já ocorrera.
Sua análise visa esclarecer que o fundamento do cristianismo é o próprio homem, restituir a religião aos domínios da imaginação, explicando que esta extrapola as qualidades humanas e as projeta em um reino transcendente. Mas não se trata de um ateísmo radical, como será o de Nietzsche algum tempo depois.
Ao desnudar a religião, exibindo sua raiz nas qualidades da consciência humana, Feuerbach expõe a alienação do homem e o provoca a assumir aquilo que é seu, em vez de transferi-lo para uma crença que o submete.
Páginas: 440
Tradução: José da Silva Brandão
Thomas Hobbes — Leviatã
O “Leviatã”, publicado em 1651, durante o período de consolidação do estado-nação, foi considerado o marco teórico do absolutismo, regime no qual governante e governo se tornam indissociáveis, acumulando um poder acima da sociedade. Esta vinculação do texto ao regime político hegemônico na época mascara um aspecto revolucionário da obra de Hobbes, presente na ideia que o poder emana dos homens e não de Deus, como pregava a tradição.
Hobbes descreve um estado de natureza no qual todos são livres, mas estão dominados pelas paixões e ameaçados pela guerra de todos contra todos, o que inviabiliza a convivência. Um pacto, na forma de contrato social, torna possível a paz e o progresso, ao transferir para o estado e o soberano a função de reger com base em leis que visam ao bem comum.
Desta forma, Hobbes autentica o poder como um organismo, como um todo que ultrapassa a soma das partes, e predefine as formas de governo, representativas ou autoritárias, que surgiram depois.
Páginas: 560
Tradução: Daniel Moreira Miranda
Leo Strauss — Direito natural e história
A escolha de Leo Strauss como pensador-farol por intelectuais e políticos de matiz conservador consolidou sua identificação como ideólogo considerado retrógrado ou reacionário. As seis conferências reunidas neste volume demonstram que sua leitura da história das ideias visa, antes, reposicionar a filosofia, reagir à dispersão dela em múltiplos microssaberes, cada um com suas razões. Por meio da revisão rigorosa do conceito de direito natural a partir da tradição filosófica, a ambição de Strauss é reabilitar um fundamento que as mudanças de paradigma condenaram ao passado.
Contra o pensamento moderno, que renegou a universalidade e impôs no lugar a ideia de que todos os valores são relativos, Strauss convoca uma armada de clássicos.
Sua aliança com Platão e Aristóteles e sua leitura profundamente crítica dos textos de Tomás de Aquino, Hobbes, Locke e Rousseau retoma a dialética, ou seja, o diálogo entre ideias e pontos de vista, arte que visa a construção do consenso.